sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Fractal e no meio do caminho

por Marcia Bombana*

Escolhi os poemas “Fractal”, de Carlito Azevedo, e “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade, para a realização desta análise pelo fato do primeiro ser uma releitura e estabelecer intertextualidade com o segundo, do qual gosto muito. O conteúdo exposto nos dois poemas é praticamente o mesmo, o que muda, porém, de um poema para outro, é a forma de trazer novamente para o papel algo que já estava escrito em outro lugar: é como se a voz do poema “Fractal” tivesse constituído-se a partir da leitura do poema “No meio do caminho” e o contasse sob o seu próprio ponto de vista.

O que chama a atenção no poema analisado é o impasse formado através das incessantes repetições dos versos ao longo do poema. É porque existe o obstáculo que existe a repetição, e é porque existe a repetição que se percebe o obstáculo. O poema mostrou-se um obstáculo para durante a leitura no sentido de que me propus a fazer um estudo sobre ele. Apresentou-se como um mineral da natureza das rochas duro e sólido, isto é, um enigma no meio do meu caminho de leitora, fazendo com que eu me detesse a analisá-lo.

A estrutura repetitiva do poema remete à forma de um fractal, objeto que dá nome ao poema de Carlito Azevedo. O termo fractal refere-se a um mineral que reproduz infinitas vezes o lugar de onde se originou. Assim, a repetição dos versos lembra a forma do objeto descrito.

Os poemas, tanto “Fractal” de Carlito Azevedo quanto “No meio do caminho” de Carlos Drummond de Andrade, expressam uma situação de dificuldade, de impedimento, de impasse. O obstáculo não atinge só o poeta, mas o poema todo, pois este acaba com a mesma dificuldade exposta no primeiro verso, descrevendo repetidamente o obstáculo que a pedra representa. A insistência repetitiva manifesta a própria presença da pedra e do poema, intransponíveis no meio do caminho. Se o fato de que tinha uma pedra (ou “um mineral da natureza das rochas duro e sólido”) no meio do caminho (ou “no meio da faixa de terreno destinada a trânsito”) fosse dito só uma vez, seria simplesmente uma constatação. Porém, a incessante repetição da mesma imagem por quatro vezes, com algumas variações e inversões, aumenta o volume da pedra e do poema, tornando-os mais pesados.

O poema “Fractal”, se visto sob o olhar teórico, relaciona-se com o que Paolo Virno chamou de anacronismo formal. Pode-se dizer que a voz presente no poema está se utilizando de uma das características deste tipo de anacronismo: está recordando, aplicando o passado ao presente. A voz conta algo que já aconteceu, isso observa-se pelo fato de o verbo estar conjugado no pretérito: “No meio da faixa de terreno destinada a trânsito tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido”. Segundo Virno, o que torna possível o passado estar no presente é o fato de alguém recordar e usar-se de intertextualidade para produzir algo que faça sentido, algo que lembre o fato acontecido.

Tratando-se de intertextualidade, pode-se dizer que além dela acontecer em relação a um tempo e outro, manifesta-se também entre dois textos. O poema “Fractal” é uma releitura de “No meio do caminho”, no qual as idéias dos dois são as mesmas, mudando apenas a forma de narrar o mesmo fato.

A insistente repetição dos versos parece interferir no psíquico do leitor. O obstáculo não se manifesta somente no sentido de haver um objeto estranho no caminho do eu-lírico, mas a dificuldade mostra-se também na estrutura do poema. A leitura do texto não flui, os versos que teimam em relatar o obstáculo prendem tanto o narrador quanto o leitor de maneira fascinante. As incansáveis repetições e a linguagem simples expressam a situação de dificuldade, de impedimento, de impasse que surpreende o homem durante a passagem por seus caminhos.

A repetição cansativa do fato cria uma harmonia de sons hipnotizantes, a qual sugere uma idéia fixa, mantendo o eu-lírico e o leitor presos ao acontecimento fantástico.


REFERÊNCIAS

ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Record, 1998

AZEVEDO, Carlito. Sublunar. Rio de Janeiro: 7 letras, 2001.

_____. Fractal. In: Collapsus Linguae. Rio de Janeiro: Lynx, 1991.

VIRNO, Paolo. El recuerdo del presente: ensayo sobre el tiempo histórico. Buenos Aires: Paidós, 2003.

* Acadêmica do 8º período do Curso de Letras da Unochapecó.

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